domingo, 11 de abril de 2010

Anotações sobre Ubik




* É bom confessar que eu sempre fui um pouco nerd. Gosto de quadrinhos até hoje (e não só os alternativos, mas os da Marvel mesmo, X-Men e tal), li todos os Harry Potter e Senhor dos Anéis, e curto seriados como Buffy, Firefly e Caprica. Também amo muitos filmes de ficção científica: Stalker, vários do Cronenberg, Shyamalan, e etc. Mas dentro desse gênero, a verdade é que li muitos poucos livros. Só uma incursão fracassada no Fundação, trilogia do Isaac Asimov, e a leitura do belíssimo Crônicas Marcianas, do Bradbury (do qual quero muito ler mais livros). Também li um meio pulp, talvez o nome seja Vampiros de Almas, não me lembro muito bem, que, como se vê, não me marcou especialmente, exceto por uma passagem que lembro até hoje: uma espaçonave enorme, gigantesca mesmo, completamente vazia, vagando eternamente pelo espaço.

* O que eu gosto mais nessas narrativas de ficção é como projetamos nelas, se passando em tempos futuros, as questões do nosso presente. Eu sei que é bem óbvio isso: uma ficção científica sempre está dizendo algo sobre o nosso tempo – não é um exercício de futurologia, de previsão do futuro. A ficção científica não é mediunidade. É uma maneira, talvez, de, situando as histórias no futuro, ou no espaço, ou em outra civilização mais avançada, etc., saturar as questões latentes no nosso presente até um ponto crítico. Uma reflexão sobre exatamente os nossos dias, portanto.

* Dito tudo isto o livro que eu acabei de ler é uma ficção: Ubik, meu primeiro do Philip K. Dick. Ele se passa em 1992, mas foi escrito quando esse era ainda um ano por vir, em 69. No universo de Ubik, as pessoas não morrem realmente (se tiverem dinheiro o bastante, pelo menos), mas são mantidas num estado de meia-vida em que podem se comunicar com os vivos. Nesse futuro existem pessoas com poderes psíquicos de ler mentes e de prever o futuro. O personagem principal de Ubik, Joe Chip, trabalha numa das firmas que fornecem proteção contra essas pessoas para empresas. Na trama, Joe reúne seus melhores funcionários para um trabalho na Lua. Quando chega lá, sofre um atentado, seu chefe morre, e a partir daí seus subordinados começam a morrer um a um, de forma assustadora, como seus corpos tivessem se esgotado completamente e se tornam trapos, se decompõem e terminam quase como cinzas. Joe tem que, então, desvendar o mistério e lutar pela própria sobrevivência.

* Uma das coisas marcantes do livro e que fala muito sobre as preocupações do autor, é a monetarização absoluta de todos os mínimos movimentos cotidianos dessa versão de 92. Ali as portas só abrem se você depositar moedas, assim como as cafeteiras dentro da sua casa só fazem café mediante dinheiro, o seu chuveiro só abre nesse esquema, e etc. Não é a toa que nosso protagonista, Joe Chip, seja alguém que não tem nenhuma habilidade em lidar com dinheiro, e portanto seja sempre um pária nesse universo. Quando as coisas começam a ficar muito estranhas para Chip conforme a trama avança, as primeiras coisas que denotam seu problema são as moedas, que de repente ficam obsoletas. E até o tal Ubik, que nomeia o livro, e que é o que pode salvar Joe, é um produto, algo que se compra.

* É incrível como Ubik consegue juntar quase todos os sub-gêneros possíveis de ficção cientifica: viagens interplanetárias, poderes psíquicos, viagem no tempo e realidades alternativas (num esquema meio Matrix) e fazer super sentido. Além de ter cliffhangers nos finais de capítulos muito melhores que os de qualquer Lost.

* Talvez, o que no final das contas seja perigosamente ubíquo para K. Dick são as relações mediadas pelo dinheiro, algo que nese livro não acaba mesmo depois que você morre.

Um comentário:

kenialice disse...

rá! e essa foto com o gato?!...rs
gostei do ubik, mas sei lá. dá um pouco a sensação que seria um filme melhor do que um livro. ou vai ver é esse o poder da ficção científica mesmo: de fazer a gente imaginar cada palavra visualmente =)